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Festejos de Junho

Cultura 08/06/2025 15:55

Junho desperta com um sopro encantado, entrelaçando dias e noites bordados de festas, memórias, afetos e celebrações. É tempo das festividades juninas: as bandeirinhas dançam ao vento, enfeitando o céu como sonhos coloridos; as quermesses, os leilões de prendas, as brincadeiras, as músicas e danças alegram os corações; o arraiá, ou arraial, cintila recordações; e o cheiro de milho e canela aquece as lembranças.

Os santos católicos, trazidos durante a colonização portuguesa, entrecruzaram-se, reinventaram-se e dinamizaram-se com os ritmos, as cores, os saberes e os sabores ancestrais dos múltiplos povos originários e africanos, recriando um jeito muito particular de crer, compartilhar, pertencer e festejar. Inicialmente, o culto aos santos juninos é fortemente ligado ao povo nordestino, mas se espalha de norte a sul do Brasil, marcando o início da colheita do milho e as rogações contra a miséria. Em cada região, ele apresenta suas particularidades e regionalidades, mas garante a transmissão de valores culturais, artísticos e de espiritualidade popular intergeracional.

No dia 13, o cenário se tinge de mistérios e esperanças: é o dia de Santo Antônio, o santo que embala os corações com promessas de amor. Em silêncio, muitas devotas depositam nele suas esperanças — pedem, desejam, rezam e sonham. Envolto numa aura de múltiplas simpatias, o santo casamenteiro é alvo de rituais que mesclam devoção e suplício. Amarram-lhe os pés, mergulham-no na água, retiram-lhe o menino Jesus dos braços, viram-no de cabeça para baixo — tudo numa urgência silenciosa, porque se acredita que só assim ele escuta e atende os pedidos amorosos. Ele só é recolocado na posição correta após arrumar um matrimônio.

No Centro Espírita Pai Jeremias, terreiro umbandista fundado por Maria José da Silva Matos, nesta data o espaço é enfeitado com a cor vermelha e há uma homenagem aos Exus, orixás das encruzilhadas e da comunicação. Essa associação ocorre porque Exu é considerado aquele que abre os caminhos e resolve problemas. A gira neste dia é exclusivamente com a linha da esquerda, dos Exus. Em outros terreiros, Santo Antônio é sincretizado com Ogum Xoroquê.

Na noite encantada do dia 24, celebra-se a festança de São João Batista sob o brilho das fogueiras que rasgam a escuridão da noite mais longa do ano. As chamas se erguem ao céu como preces de luz. É tempo de reencontros, quadrilhas, mastros, ladainhas cantadas, lavagem do santo, batizados, consagrações tecidas na circularidade. Ao redor das cozinhas e dos fogões, cintila a comunidade inteira, a partilhar risos e memórias temperadas com sabores que nascem da terra e da agricultura familiar, que sustentam corpo e identidade.

Ao redor do fogo, não se aquece apenas o corpo e o alimento — reafirmam-se os laços afetivos, patrimônio cultural materiais, imateriais e a integralidade do ser. É ali que se cozinham saberes, fazem-se simpatias, casamentos, compartilham-se experiências, perpetuam-se tradições e, sobretudo, anunciam-se transformações. A fogueira, símbolo ancestral, no plano macro, marca a transição das estações e o elo com o sagrado, que purifica, atraindo sortilégios e afastando os infortúnios. E, no sentido mais íntimo, anuncia os ciclos de mudança que cada pessoa vive em sua própria jornada cotidiana. Na tessitura do sagrado e do profano, a vida está em constante renascimento e mutação.

A iconografia dos mastros juninos mostra que o profeta que anunciou a vinda do Messias e o batizou no rio Jordão se abrasileira: é representado como uma criança de caracóis nos cabelos, que segura um cordeiro nos braços. Já as bandeirolas, ou bandeirinhas, são referências aos antigos estandartes dos santos.

Baseado no sincretismo religioso, o Centro Espírita Pai Jeremias, da umbanda, orna seus altares e pejís de vermelho ou marrom nesse dia especial. Xangô é o orixá da Justiça, e seus raios, trovões e fogo, são características que mostram sua associação com São João. Nesta ocasião tem gira dedicada à linha de Xangô do Oriente, ou Xangô Velho, por representar a sabedoria.

No dia 29, encerra-se o mês de junho com São Pedro, o santo que, no imaginário, é o mais velho e sisudo dos três. Por carregar as chaves do céu, é o porteiro do paraíso, decidindo quem entra ou não. Considerado o padroeiro dos pescadores, das viúvas e o fundador da Igreja em Roma, nas festas juninas é venerado como símbolo de fé e devoção.

Há vertentes da umbanda que associam São Pedro ao Orixá Xangô. Olhando os três santos mencionados vê-se um processo de abrasileiramento que os integra à cultura popular, entrelaçados com tradições religiosas e culturais africana e ameríndia, assim as festas juninas são marcadamente afro-indígenas.

Segundo Simas (2022), esses santos da cultura popular estão ligados às fogueiras, mas apresentam particularidades em suas composições e formas geométricas. A fogueira de Santo Antônio tem a base quadrada, pois, segundo a tradição, ele amansou um burro bravo em um quadrado. Já a de São João tem a estrutura mais ovalada, pois simboliza a gravidez de Isabel, sua mãe. A fogueira de São Pedro é triangular, em virtude da Santíssima Trindade e do seu papel como elemento fundamental da Igreja.

No ritual da alimentação, o milho, presente dos povos originários, reina soberano na mesa junina. Verde ou seco, socado, cozido ou assado, transforma-se em pamonha, canjica, curau, mingau, cuscuz, pipoca, piché e em tantas delícias que alimentam mais que o corpo — alimentam a memória coletiva. Ao seu lado vêm o amendoim, a batata-doce e a mandioca (também chamada de macaxeira ou aipim), que surgem em mané-pelado, pé-de-moleque, tortas, tapiocas, lembrando que cada preparo e sabor da festa é um gesto de reverência à terra.

É na dança das labaredas das fogueiras e no sabor da colheita que se celebra Santo Antônio, São João Batista e São Pedro — entre o sagrado e o simples, o ritual e o riso, a fartura e o sonho. Os festejos pontuam tradições que atravessam tempo e espaço, fluindo heranças afro-ameríndias que unem fé, arte e (re)existência. Celebra-se a força da ancestralidade, da vida e da divinização da natureza. Viva! Viva os santos juninos!

Por Gilda Portella, multiartista, sacerdotisa de umbanda, mestre em Estudos de Cultura Contemporânea pela Universidade Federal do Mato Grosso